A cada vez que releio esse texto, dependendo do meu momento de vida, tenho impressões diferentes sobre ele. Lembro que eu o escrevi para motivar um amigo querido a seguir em frente através das minhas próprias vitórias. Dois anos depois, eu percebo que esse mesmo texto tem potencial para alegrar muita gente! Que maravilha de surpresa!
Vamos lá!
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Logo ao primeiro ano de idade, eu já aprendia a pronunciar minhas primeiras palavras e também a bater nas primeiras panelas para curtir o som que delas saía. E logo veio o pianinho de madeira, daqueles que você tecla e o martelo bate num ferrinho. E logo depois o esforço do meu pai, sempre aquele empenho por me dar dedicação, vendendo o Telefunken dele para comprar pra mim o meu primeiro tecladinho. Um teclado de verdade! Nada de brinquedos. Um Yamaha portátil! PSR não sei das quantas… Eu tinha 5 anos.
E o tempo foi passando… aos 11 ou 12 comecei a estudar teclado, depois violão, depois guitarra. O violão foi presente do meu pai também. O violão é dele. Só inverti as cordas porque sou canhota. Um Di Giorgio 1977! Não, não é um modelo de colecionador. É mais uma relíquia sentimental mesmo.
E o teclado foi presente dos dois. Meu outro teclado :)! Lembro de ter ido na Santa Ifigênia procurar um teclado igualzinho ao da escola de música! :)!
E a guitarra? A mais linda de todas! Aquela guitarra preta com branco. Aquela que eu sempre achei maravilhosa! Também presente do meu pai.
E passava o tempo e eu lá, com o meu primeiro gradiente, acoplando um microfone de karaokê na saída dele e gravando as músicas do Nirvana e Guns n’ Roses em fita cassete. Depois eu fazia uma gambiarreira louca! Colocava a fita que eu tinha gravado na vitrola e ficava com o microfone bem pertinho da caixa de som, só pra poder tocar em cima de novo e gravar em pistas! Aí eu já tinha uns 14 anos.
Dos 15 aos 17 eu fiquei meio perdida. Achava que música não era pra mim. Achava que partitura era um mistério. Eu me sentia uma fraude por ter habilidades de ouvido, por conseguir facilmente copiar um som, mas não saber ler. Porque, afinal, música é aquele livrinho lá escrito “Música”. Claro!
Claro que não!
Chegou o ano do vestibular. Mas o que será que eu vou fazer da minha vida? Dúvidas e mais dúvidas… Até que o colégio que eu estudava fornecia um teste vocacional e eu me interessei pela coisa toda. Fui e fiz. Lembro que a pontuação máxima para um tipo específico de inteligência eram 18 pontos, e, se não me engano, eram 7 os tipos de inteligência. Sei que consegui 17 pontos em música (!!!) e 5 pontos em línguas, mais algumas outras coisas que não lembro bem.
– Poxa! 17 pontos em música! Mas música não é pra mim. Música é ler bolinha!
Aí fui abençoada mais uma vez. Eu descobri a UNESP. Meu pai, mais uma vez, foi comigo até lá para eu ver como é que era. E aquele átrio, aquela música saindo pelas janelas das salas de estudo… aquelas belas vozes! Como eram belas aquelas vozes estudando! Eu me sentia em um conto de fadas!
E como era horrível o som da sagração da primavera no vestibular específico de música! Aterrorizante! Eu nem fazia idéia do que era aquilo naquela época. Só conseguia ouvir um monte de tensão. E ouvir um monte de tensão quando já se está tenso fazendo uma prova de tamanha importância eu te digo: Não foi legal!
Como era de se esperar, eu não passei no primeiro vestibular de música. Chorei feito uma condenada. Quase fui atropelada na rua, porque vim desconsolada andando sem olhar pros lados. (Hoje em dia eu percebo mais a minha intensidade e dramaticidade. Na época eu não tinha noção). Eu chorava, chorava, chorava. Ouvia Nightwish no rádio. Até que em determinado momento eu soltei um urro falando “EU VOU CONSEGUIR!”. E lembro do “sangue nos olhos” quando eu falei isso. Da determinação, do foco. Parecia mesmo um touro me preparando para atingir o alvo.
Dei a volta por cima! Fiz cursinho, consegui uma boa bolsa de estudos lá através da nota da prova, e, mais uma vez, meu pai foi comigo para eu procurar alguém que me desse aulas de música com o foco específico do vestibular.
Consegui! Dobrei a nota que tinha tirado na prova de música. Passei um pouco de vergonha falando para o professor avaliador de regência “Olha, professor… eu não sei se fui bem. Não sei tocar as peças. Ler é muito difícil pra mim. Se eu tiver ido mal, o senhor poderia já me falar? Aí eu desisto de tudo e nem faço mais as outras provas”.
É, pois é…. Já aos 18 eu tinha essa coragem toda, essa noção toda. Ou esse temperamento forte todo.
Sei que passei no vestibular. Realizei meu sonho! E até hoje, dez anos depois, todas as orações que faço começam com “Meu Deus, muito obrigada por ter passado na UNESP”. Depois da formatura essa frase virou “Meu Deus, muito obrigada por ter passado E ME FORMADO NA UNESP”. Sempre pra eu mesma ter essa gratidão no peito, pra lembrar do quão desafiador foi, e do meu urro que me fez dar a volta por cima.
E hoje cá estou eu. Já fiz trilha de jogo de celular, já fiz um musical, já regi coro, já fiz composição pro coro. Agora estou prestes a realizar a minha primeira ópera e a realizar mais um sonho enorme, talvez tão grandioso como foi o vestibular de música!
Cá estou eu hoje, lembrando de tudo isso, recuperando minha essência e lembrando daquele urro que é tão “meu” e tão profundo.